Enquanto a canoa desliza
sobre a água, os pensamentos vagueiam.
Entre
a
terra
e
o
Rio,
não
existe
nada,
são
unidos,
como
a
unha
à
carne,
se
misturam
às
vezes,
ora
um
está
por
cima,
ora
está
por
baixo,
num
jogo
sensual
de
acasalamento,
numa
constante
alucinação
erótica.
A
canoa
leva
o
homem,
este
pensa.
Pensa
que
pensa
em
alguém,
mas
só
pensa
em
si
mesmo.
Pensa
como
será
do
outro
lado,
ou
talvez
não
chegue
lá,
fique
no
meio,
siga
o
curso
apenas,
flutue
e
deixe
que
a
correnteza
o
leve
pra
algum
lugar.
Mas
não,
ele
precisa
de
um
porto.
O
barulho
que
se
ouve
é
apenas
o
do
remo
na
água,
dos
pássaros
aquáticos,
dos
sapos
no
brejo
e
ao
longe
um
motor
que
ronca.
Ali
só,
o
canoeiro
mergulha
e
não
volta.
Imerso
em
seus
pensamentos
imagina
como
seria
estar
no
fundo.
Ver
todos
os
seres
que
povoam
o
Rio,
não
enxergaria
nada
lá
em
baixo.
A
água
turva
por
causa
da
terra,
suja
pela
constante
erosão
das
ribanceiras,
é
impossível
ver
algo.
Lá
em
baixo
a
vida
continua.
A
água
vira
barro.
O
barro
é
água
e
terra
juntas
ao
mesmo
tempo,
uma
liga.
Nesse
momento
é
uma
só
carne,
unidas
pela
penetração,
pela
umidade,
deslizando,
escorregadio,
sentido
em
cada
poro,
em
cada
grão,
em
cada
gota,
tudo
são
sensações.
A
água
e
a
terra
são
um
assim.
Impossível
separar.
Por cima ela desliza num
movimento constante, dentro o homem sussurrando algo, pensando não
pensa, lembra apenas, sente seus movimentos, direciona, guia,
controla.
Uma
brisa
sopra,
as
sensações
causam
arrepios,
um
frio
na
espinha,
o
Sol
se
foi,
tudo
está
vermelho
e
turvo,
quase
não
se
vê
nada,
apenas
sentem-se,
vultos
á
margem,
movimentos,
sussurros.
Um
peixe
pula,
bate o
remo,
desliza
suave
para
dentro,
empurra.
Os
movimentos
contínuos
dão
seqüência.
Agora
são
um,
um
só
corpo,
carne,
sangue,
água,
terra,
é
barro.
A
voz
e
o
vento
também
sussurram
nos
ouvidos,
propagam
os
sons,
provocam
suspiros.
Bolhas
sobem
na
água,
a
terra
respira,
suspira.
Rompe-se o silêncio, o
barco a motor passa a toda velocidade, as ondas balançam, os
movimentos ficam mais bruscos, vão e voltam rápido, sussurros,
gritos, pássaros voam, vento no rosto, mais força, movimentos mais
rápidos, empurra, tira, mergulha, empurra, onda forte, desliza mais
rápido está quase lá.
Fica
ainda
mais
escuro.
Tudo
o
que
se
tem
são
sensações,
sente-se
tudo,
até
o
cheiro.
Na
escuridão
a
mão
desliza
até
sentir,
está
morninha,
muito
bom.
Ela
ainda
flutua,
num
balanço
ritmado,
seguem
o
curso,
descem
despreocupadamente,
têm
todo
o
tempo
da
vida.
Falando
nisso
quanta
água
já
passou
por
baixo
da
ponte,
nem
se
pensa
sobre
isso,
ela
continua
lá
estática
parada,
não
sente
o
rio,
não
flutua
sobre
ele.
A
travessia
é
melhor
assim,
sentindo,
tendo
todas
as
sensações,
ficando
molhado,
totalmente
umedecida.
Lá no fundo um tumulto,
um vai e vem constante, cada um para um lado, os sentidos estão
aflorados, não sei se conseguem ver alguma coisa, mas sabem
exatamente o que querem. A sobrevivência, a continuidade da vida, e
a manutenção da espécie.
A
natureza
é
assim,
é
natural
que
seja,
a
vida
brota,
flui,
acontece
sempre,
continuamente.
Pássaros
cantam,
capivaras
assoviam,
jacarés
roncam,
sapos
gritam,
peixes
pulam.
O homem em cima, ela desliza. A água e a terra são um, barro, areia, enfim a margem. É outra ou seria a mesma? Nunca se sabe quem é quem. Mas agora sabemos, é um.
A água, a terra, o homem, a canoa, o pássaro, o jacaré, a capivara, os peixes, os pernilongos, os caranguejos, as árvores, o vento, o céu estrelado, a lua e o Sol, a escuridão, o som, o sussurro, o gemido, uma só carne, afinal, a travessia os uniu para sempre.
O homem em cima, ela desliza. A água e a terra são um, barro, areia, enfim a margem. É outra ou seria a mesma? Nunca se sabe quem é quem. Mas agora sabemos, é um.
A água, a terra, o homem, a canoa, o pássaro, o jacaré, a capivara, os peixes, os pernilongos, os caranguejos, as árvores, o vento, o céu estrelado, a lua e o Sol, a escuridão, o som, o sussurro, o gemido, uma só carne, afinal, a travessia os uniu para sempre.
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